“Uma exposição é sempre uma chance de entrar em contato com a obra, de ser re-apresentado, promovendo um outro diálogo, exatamente pela inserção nesse novo contexto, nessa outra narrativa.”
(Vinícius Brito)
Entre os meses de julho e agosto de 2021, a convite da galerista Onice Moraes, o curador Vinícius Brito fez uma incursão ao acervo da galeria com a missão de lançar um novo olhar sobre um conjunto de 134 gravuras diferentes de 41 artistas brasileiros que compõem o acervo da Referência. Após algumas semanas analisando as obras de artistas que produziram a partir da década de 1980, surgiu o recorte da mostra (de)morar em exibição na Referência de 16 de setembro a 6 de novembro, com obras de 15 artistas: Alfredo Volpi, Arcangelo Ianelli, Arthur Piza, Carlos Vergara, Eduardo Sued, Elyeser Szturm, Helena Lopes, Leda Catunda, Lêda Watson, Luiz Dolino, Manabu Mabe, Roberto Burle Marx, Rubem Valentim, Siron Franco e Tomie Ohtake. Todos são nomes conhecidos dos brasileiros, sendo que alguns têm obras expostas em locais públicos. Uns são essencialmente gravuristas, outros produzem também em outros suportes.
Vinícius Brito é bacharel em Teoria, Crítica e História da Arte pela Universidade de Brasília – UnB. Produtor cultural e arte-educador, desde 2018, atua na Referência Galeria de Arte na produção de exposições, atendimento ao público e elaboração de projetos. Entre tantos projetos dos quais participou, Vinícius atuou como produtor executivo e assistente de coordenação educativa do evento BsB Plano das Artes (2018-2020). Trabalhou como produtor executivo e gestor administrativo do Mercado Mundi 2018, projeto realizado via Lei de Incentivo à Cultura – DF. Atuou como assistente de produção e supervisão de ações educativas do Programa Educativo CCBB DF, na mostra 100 Anos de Athos Bulcão (16/01 a 01/04 de 2018. Essa vivência lhe deu uma cancha para explorar os limites “daquilo que se vê de imediato num primeiro contato com a obra”. Afirma.
A seguir, você confere uma entrevista com Vinícius Brito, em seu primeiro trabalho como curador.
Referência Galeria de Arte: Em seu texto sobre a exposição (disponível aqui), você faz referências a conceitos que são próprios da filosofia e da psicanálise, como sob-risco, para falar da imprevisibilidade do impacto da obra sobre cada indivíduo. Arte, filosofia e psicanálise andam sempre juntas?
Vinícius Brito: – Como comentei antes, tenho pensado nesse convite à leitura. Nesse entrecruzamento entre arte, filosofia e psicanálise. Assim, essas palavras teriam, do meu ponto de vista, uma dimensão poética. O intento de promover justamente uma certa desaprendizagem das significações postas no cotidiano, tornando-se importantes em algumas dimensões ao texto que se constrói. Poderia dizer que são palavras que circulam na cena da mostra sem controle algum.
Referência: O que há de novo numa mostra de acervo que possa interessar ao público?
Vinícius: – Creio que a experiência do contato com a obra no contexto de uma exposição, mediada por um processo de curadoria é diferente de ter contato com a obra em uma reserva técnica, por exemplo. As obras que compõem o acervo da galeria, que estão na mostra, promovem um atravessamento cuja mediação é direta, entre a obra e o espectador, permitindo interpretações, sensações mesmo, que cabe apenas a quem se demorar perante ela. Aí podemos mais uma vez pensar no que falamos um pouco acima, sobre a democratização efetuada pela gravura, que apesar de produzida, ao ser assinada pela artista, mantém seu caráter original, de obra de arte. Uma exposição é sempre uma chance de entrar em contato com a obra, de ser re-apresentado, promovendo um outro diálogo, exatamente pela inserção nesse novo contexto, nessa outra narrativa.
Referência: Qual foi o recorte do acervo que você selecionou para a mostra e a qual período se refere?
Vinícius: – A mostra foi pensada a partir de um recorte do acervo de gravuras de artistas brasileiros contemporâneos presentes na Referência Galeria de Arte, que abrangem produções desde as décadas 1980 a 2010, sendo algumas produzidas no país, outras na Europa, por exemplo.
No Brasil, O Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro – MAM Rio – em 1950, mesmo sendo uma instituição recém-inaugurada, foi palco da então mais recente produção artística ao realizar mostras de arte como a abstrato-geométrica. Desde então, a vertente abstrata, como a concreta e neoconcreta, são centrais nos estudos artísticos mundiais, sobretudo no cenário nacional, ocupando seu devido espaço também através de cursos, palestras, exposições, dentro e fora das universidades brasileiras.
Por isso mesmo, a Referência Galeria, além da missão de inserir artistas brasilienses no mercado de arte nacional, possui em seu acervo também uma série de artistas de diversas regiões do país, de grande relevância na história da arte brasileira, pois acredita-se que, a partir de trabalhos significativos, como as obras desses artistas, inúmeras serão as possibilidades de significação nas visitas às exposições de arte de maneira geral.
Referência: Qual é a importância da gravura para a história da arte no Brasil?
Vinícius: – O Brasil, além de ter artistas que têm a gravura como suporte principal de trabalho, tem a particularidade de uma gama de artistas que trabalham com pintura, escultura, também passem pela gravura, experimentando de alguma forma essa linguagem artística. A gravura nesse contexto é importante por democratizar o acesso à obra de arte, a sua aquisição, bem como a circulação da produção artística relevante no cenário não apenas nacional, mas mundial mesmo.
Referência: Alguns nomes da mostra aparecem com um trabalho apenas, outros com mais de um. Por que disso?
Vinícius: – Durante a pesquisa de acervo da galeria para organização da exposição, antes mesmo de escolhê-las pelo nome do artista, eu me demorava nas obras, colocando-me sob-risco, sendo atravessado por essas linguagens (daí o nome da exposição). Fui sendo levado por essa narrativa, um fio condutor, não uma mensagem, posto que todos os artistas da mostra se afastam da figuração, apesar de muitos deles possuírem trabalho no que podemos denominar como representação. Alguns desses artistas levam ao máximo essa desconstrução. Assim foi pensado o corpus da exposição: um processo de demora.
Referência: Em seu primeiro trabalho como curador você foi convidado a pensar uma exposição de acervo com obras de artistas consagrados de várias gerações. Como você driblou o gap geracional tanto entre artistas como entre artistas e o curador e reunir obras com linguagens tão diferentes em um mesmo espaço expositivo?
Vinícius: – Estou honrado com a oportunidade. Desde o curso de Teoria, Crítica e História da Arte na Universidade de Brasília, tenho me interessado pela linha de pesquisa que aborda arte, filosofia e literatura. É a linha de pesquisa à qual quero me dedicar no mestrado. E é com esse olhar, ainda prematuro, pois, engatinho ainda na pesquisa acadêmica, que venho buscando formação, mas que faz parte do meu cotidiano profissional.
Quando olhei para o acervo, tão heterogêneo, me deparei com as gravuras, e fiquei pensando na escolha desse suporte por todos esses artistas; depois veio a questão da quebra de figuração, entre outros aspectos. Pensei muito em como trabalhar, como pensar a curadoria. Creio que (de)mora seja um convite a pensar as obras de arte, que nesta mostra são múltiplos, para além de quadros, mas em seu processo de significação. Obras que nada dizem a priori, mas em um a posteriori, ou seja, todas as obras da mostra estão esvaziadas de figuração, e elas teorizam sobre seu próprio processo artístico, solicitando do espectador essa demora, sempre esse retorno.