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Pedro Gandra

Entrevista | Pedro Gandra | Organizador da mostra A construção de minimundos

De 19 de novembro e 31 de dezembro de 2021, a Referência Galeria de Arte apresenta a mostra coletiva “A construção de minimundos”. A exposição foi organizada pelo artista visual Pedro Gandra que também participa da exposição com obras em pintura ao lado de artistas de várias regiões do país, que trabalham com diversas mídias em suas produções. Participam da mostra Ana Júlia Vilela (SP), Annima de Mattos (SP), Gisele Camargo (MG), Joaquim Paiva (RJ), Léo Tavares (DF), Pedro Lacerda (DF), Raquel Nava (DF), Vânia Mignone (SP) e, claro, Pedro Gandra (DF). Com trabalhos em pintura, desenho, fotografia e instalação, a exposição aborda o que circunda a produção dos artistas, seus interesses, referências e influências além da arte e do fazer artístico.

Ao longo de três meses, o Blog da Referência acompanhou o processo de produção da exposição em seus diferentes momentos até o dia 3 de dezembro, quando aconteceu a terceira Conversa programada como parte da mostra entre o organizador e a artista visual Gisele Camargo. 

A seguir, você confere a conversa/entrevista com Pedro Gandra.

Referência Galeria de Arte – Complete a frase, “Pedro Gandra explica que apesar das diferenças entre as linguagens e das mídias em que produzem, os artistas que participam da mostra compartilham de um pensamento comum referente a suas pesquisas poéticas …”

Pedro Gandra – Acho que é menos sobre compartilhar de um pensamento comum e mais sobre encontros temáticos e de referências ou de assunto. A heterogeneidade poética das pesquisas dos artistas é relevante para o pensamento da mostra. Não há aqui uma pretensão de unicidade. Mas pode se dizer que há em certos momentos imaginários compartilhados. 

A investigação da paisagem, a representação de espaços de interior e urbanos; há uma certa insistência em alguns trabalhos em criar o que parecem ser cenas, da ordem do cenográfico mesmo, ambientações ou até mesmo ambiência, existem em algumas obras um caráter quase sinestésico. Acredito que isso se dê também muito por conta da transdisciplinaridade nas referências destes artistas. O espectador, se se deixar permitir, pode ser quase que tomado pela sensação. Isso pode ocorrer pela relação com a cor, as relações de macro e micro, a fisicalidade, a presença física do espectador no espaço diante destas obras define muito da relação com o trabalho, o aproximar-se para ver/ler aquilo que a princípio parece difícil de enxergar, o afastar para ver o todo que a proximidade impede.

Nada é exatamente o que parece a princípio, existem muitas camadas.

Referência – A partir desses pontos de contato, como você aborda a interdisciplinaridade para a sua pesquisa e como você observa a dos outros artistas que estão presentes na mostra? O que elas podem indicar sobre o pensamento – não mais da ordem pictórica, mas sobre a produção do artista que lida com tudo – imagem, cinema, literatura, artes plásticas – ao mesmo tempo?

Pedro – Acho que é uma questão de formação de imaginário, para minha produção o diálogo com literatura ou com o cinema é tão relevante como qualquer outra questão na minha pesquisa. Com a profusão de informações que se faz disponível para todos, a todo tempo, os artistas têm que eleger suas referências, criar uma organização, nem que seja uma organização dentro do caos. Estes artistas que figuram na mostra elegem referências diretas do universo das artes visuais, mas também negociam frequentemente com referências do cinema, da literatura ou da publicidade e também pegam emprestado e absorvem dentro de suas produções elementos destas outras mídias. 

Acredito que uma pessoa que se propõe a desenvolver um projeto de produção poética hoje é uma espécie de liquidificador de referências, o que muda de produção para produção é como os artistas escolhem articular e processar estas informações em seus pensamentos e produções. Mas em dado momento o artista se desocupa um pouco destas informações para formar o seu próprio trabalho. O pensamento me parece ser sempre não linear, profícuo e sempre curioso, apontando para direções diversas, mesmo que estas não se manifestem todas diretamente no trabalho que se mostra neste momento. Nesta exposição, por exemplo, a mídia me parece estar sempre a serviço do pensamento destes artistas, a mídia não se impõe ao pensamento, ela colabora fundamentalmente na sua articulação.

Referência – E o que desencadeia o pensamento que leva à produção artística, à sua, por exemplo?

Pedro – Estar presente e atento ao mundo. Acredito que a experiência de pensamento e produção artística é indissociável desse estado de atenção a tudo que está a sua volta. E pesquisar, colocar-se em situações que demandem que se desenvolva um olhar, uma leitura, uma escuta distinta das que se normalmente teria.

Referência – Nesta exposição organizada por você e que tem duas obras suas, os confrontos no campo das ideias acontecerão inevitavelmente durante a produção. Mais ainda, você tem acompanhado as produções dos outros artistas. Nesse cenário, a contaminação de pensamentos é uma certeza, uma possibilidade ou essa é uma possibilidade muito remota? Contaminar-se pelo outro é um desejo subjacente à vontade de estabelecer um diálogo com seus pares?

Pedro – Estabelecer um diálogo ou diálogos talvez seja o que galvanize a organização desta mostra. Estas contaminações já ocorriam mesmo que involuntariamente, de alguns dos artistas eu já era mais próximo, então nós acompanhávamos e trocávamos há algum tempo. Foi muito interessante também começar este processo com artistas de quem eu só conhecia a produção, mas não tinha tido oportunidade de estabelecer uma troca maior, e a partir da demanda da exposição isso se fez possível. Considero que estabelecer diálogos com meus pares é uma das ações mais importantes do meu ofício enquanto artista, as produções só existem dentro de um contexto, quando se pode trabalhar de forma consciente em torno disso é uma realização muito gratificante. Com relação a contaminação de pensamentos acho que isso certamente ocorrerá, de que forma, ou quando, ou como ela se manifestará eu não faço ideia, é algo de fato misterioso e talvez seja este fator incógnita que confira potência ao processo. Exposições são organismos vivos, mutantes, ressoam nos artistas de maneira muito particular e seguem para muito além do seu período de exibição.

Referência – Como os trabalhos desses artistas conversam com a proposta da exposição?

Pedro – Estes artistas elaboraram produções inquietas com raciocínios interdisciplinares, desenvolvem diálogos minuciosos com uma riqueza de pensamento traduzida em produções de imagens complexas e rigorosas e às vezes até mesmo nodosas, tratando de questões narrativas de formas muito idiossincráticas, ou até em alguns casos passando ao largo de propostas mais estritamente narrativas, porém estabelecendo situações, ambiências, cenas. De alguma maneira seja pela relação cromática que é estabelecida ou pelos vestígios narrativos ambivalentes deixados nas obras, acabam por estabelecer um campo de relação intenso com o interlocutor/espectador, seja pela sedução ou curiosidade de entrar naquele mundo apresentando no trabalho ou até mesmo uma atração pela repulsa. São trabalhos que demandam revisitas e que nesse processo ganham novas camadas de percepção. Imagens para serem vistas e lidas.

A exposição pretende abrir um espaço conversacional entre os artistas e seus trabalhos, algumas conversas já estabelecidas previamente à mostra e que tem nesta oportunidade seu primeiro embate físico em um espaço e outras conversas que aqui se estabelecem pela primeira vez.

Este caráter conversacional é também intrinsecamente estendido ao público que é colocado como um agente ativo e não apenas um contemplador remoto neste processo.

Referência – A interdisciplinaridade é uma questão muito forte nesta exposição. Não se trata apenas das linguagens serem diferentes ou mesmo os suportes. O que cada um deles aborda traz uma nova vitalidade para o conjunto dos trabalhos e para cada um deles individualmente. Dentro do seu projeto de curadoria, você anteviu essa questão?

 Pedro – Não antevi necessariamente, mas sabia que havia uma possibilidade de pensar essa questão a partir do que eventualmente surgisse de diálogo com os artistas. A perspectiva de articular as diferentes pesquisas de cada um dos artistas dentro de uma lógica coletiva e dialógica ainda preservando as individualidades das pesquisas; jogar luz sobre alguns pontos que constituem seus imaginários e referências mostrou-se um interesse crescente durante o processo de desenvolvimento da mostra. Como um imaginário vai se construindo? Do que ele é composto? Como ele se apresenta nos trabalhos? São questões ou provocações que encontram ressonância para muito além do recorte da exposição.

Referência – Se a fotografia ainda não alcançou o seu devido reconhecimento como uma linguagem própria da arte por parte de boa parte do público, o HQ nem mesmo está perto de ser enxergado como uma possibilidade. No entanto, você o coloca em uma exposição lado a lado com linguagens que têm mais prestígio e são mais valorizadas.  Em seu primeiro trabalho como artista / curador, você acredita que está assumindo um grande risco ao colocar um trabalho de quadrinhos entre os outros trabalhos? Por quê?

Pedro – Acho muito natural que uma mídia como quadrinho figure nesta exposição, uma vez que está mesma se propõe a pensar sobre questões que constituem as referências e imaginários dos artistas. Assim como a fotografia, a influência do quadrinho está muito presente na produção contemporânea em artes plásticas. Para além do trabalho em quadrinho que está na mostra, existem outros trabalhos em outras mídias que travam diálogos com HQ. Assim como a influência da fotografia me parece indissociável a produção que lida com imagem seja qual que mídia for. Outra referência que se impõe é o cinema, por exemplo:

Observe a produção fotográfica do Joaquim Paiva, ele começa a desenvolver suas primeiras séries fotográficas na década de 1970, pouco tempo depois do seu primeiro contato com as experimentações da nouvelle vague e do cinema novo, então é claro que isso de algum modo se infiltra no pensamento dele e se manifesta na formação das imagens que ele constrói. Ainda pensando em cinema, mas agora em outro exemplo, o cinema tem um impacto relevante nas produções de pintura da Gisele Camargo e da Vânia Mignone que começam suas produções na década de 1990, e é interessante observar uma questão de diferença geracional, o cinema que influencia o Joaquim Paiva já não é necessariamente o mesmo que influencia a Gisele Camargo e Vânia Mignone, que não o mesmo também que influencia o Léo Tavares que começa a produzir no final dos anos 2000 início dos anos 2010, onde o acesso a informação já é amplamente facilitado. 

Acho difícil pensar as mídias ou influências com uma ideia de maior ou menor prestígio, acho que estas questões todas se impõem dentro do processo artístico sem o peso daquilo que seria mais ou menos relevante.

Referência – Na conversa de sexta passada com Gisele Camargo, ela lançou uma pergunta nos últimos minutos muito interessante: “Enquanto você pensava e montava a exposição, você estava pintando?”. Daí vieram duas questões: Você se percebe como um fetichista, um voyeur da obra do outro artista para assim produzir a sua?   Enquanto você pensava e montava a exposição, você estava realmente pintando?

Pedro – Não, não me considero [um fetichista]. Acho que os processos de troca, seja pela fruição mais supostamente distante, ou através das conversas e acompanhamentos próximos como no caso do processo desta exposição, são indissociáveis ao pensamento e reflexão sobre a maneira de observar e praticar este ofício de artista. É algo ligado ao pensamento sobre produção, a minha, e dos meus colegas, e onde elas existem e de que modo criam pontes ou não dentro dos contextos da produção contemporânea. No fim é sempre sobre o pensamento.

Referência – Um dos trabalhos da Gisele Camargo dá nome à exposição. Dar título a um trabalho ou a uma mostra completa é sempre um problema, ou conduz de mais ou tira completamente o foco. E quando a exposição é coletiva, pode gerar ruídos. Como foi o processo dessa escolha?

Pedro – Eu tinha pensado e desenvolvido alguns títulos, mas nada me parecia dar conta dos interesses do projeto de maneira mais compreensiva, num segundo momento achei que o mais coerente com o processo e o caráter da própria mostra seria ter um título extraído de algum dos trabalhos que vinham sendo feitos. Eu já conhecia a série de colagens “A construção dos minimundos” que Gisele Camargo desenvolve há algum tempo, sempre achei este título lindo e cheio de camadas possíveis de entendimento. 

Cheguei a cogitar em nomear a exposição com título de outros trabalhos, mas um dia revisando o material que já havia sido concluído olhei o título da Gisele e aquilo me pareceu dar conta de ser a porta de entrada para a coletiva, logo liguei pra Gisele, e ela generosa como sempre emprestou o título. 

O que se tenta apresentar nesta exposição é uma pequena entrada ao universo individual de cada um destes nove artistas, mas também posso acionar a atenção para como a suas produções estabelecem situações dialógicas. E depois, estas produções estão conectadas com preocupações contemporâneas do pensamento e da produção em arte. É quase como um pequeno ciclo, o ateliê, as vizinhanças e os embates no espaço expositivo e o diálogo com o mundo.

Pedro Gandra

Entrevista | Pedro Gandra | Organizador da mostra A construção de minimundos

De 19 de novembro e 31 de dezembro de 2021, a Referência Galeria de Arte apresenta a mostra coletiva “A construção de minimundos”. A exposição foi organizada pelo artista visual Pedro Gandra que também participa da exposição com obras em pintura ao lado de artistas de várias regiões do país, que trabalham com diversas mídias em suas produções. Participam da mostra Ana Júlia Vilela (SP), Annima de Mattos (SP), Gisele Camargo (MG), Joaquim Paiva (RJ), Léo Tavares (DF), Pedro Lacerda (DF), Raquel Nava (DF), Vânia Mignone (SP) e, claro, Pedro Gandra (DF). Com trabalhos em pintura, desenho, fotografia e instalação, a exposição aborda o que circunda a produção dos artistas, seus interesses, referências e influências além da arte e do fazer artístico.

Ao longo de três meses, o Blog da Referência acompanhou o processo de produção da exposição em seus diferentes momentos até o dia 3 de dezembro, quando aconteceu a terceira Conversa programada como parte da mostra entre o organizador e a artista visual Gisele Camargo. 

A seguir, você confere a conversa/entrevista com Pedro Gandra.

Referência Galeria de Arte – Complete a frase, “Pedro Gandra explica que apesar das diferenças entre as linguagens e das mídias em que produzem, os artistas que participam da mostra compartilham de um pensamento comum referente a suas pesquisas poéticas …”

Pedro Gandra – Acho que é menos sobre compartilhar de um pensamento comum e mais sobre encontros temáticos e de referências ou de assunto. A heterogeneidade poética das pesquisas dos artistas é relevante para o pensamento da mostra. Não há aqui uma pretensão de unicidade. Mas pode se dizer que há em certos momentos imaginários compartilhados. 

A investigação da paisagem, a representação de espaços de interior e urbanos; há uma certa insistência em alguns trabalhos em criar o que parecem ser cenas, da ordem do cenográfico mesmo, ambientações ou até mesmo ambiência, existem em algumas obras um caráter quase sinestésico. Acredito que isso se dê também muito por conta da transdisciplinaridade nas referências destes artistas. O espectador, se se deixar permitir, pode ser quase que tomado pela sensação. Isso pode ocorrer pela relação com a cor, as relações de macro e micro, a fisicalidade, a presença física do espectador no espaço diante destas obras define muito da relação com o trabalho, o aproximar-se para ver/ler aquilo que a princípio parece difícil de enxergar, o afastar para ver o todo que a proximidade impede.

Nada é exatamente o que parece a princípio, existem muitas camadas.

Referência – A partir desses pontos de contato, como você aborda a interdisciplinaridade para a sua pesquisa e como você observa a dos outros artistas que estão presentes na mostra? O que elas podem indicar sobre o pensamento – não mais da ordem pictórica, mas sobre a produção do artista que lida com tudo – imagem, cinema, literatura, artes plásticas – ao mesmo tempo?

Pedro – Acho que é uma questão de formação de imaginário, para minha produção o diálogo com literatura ou com o cinema é tão relevante como qualquer outra questão na minha pesquisa. Com a profusão de informações que se faz disponível para todos, a todo tempo, os artistas têm que eleger suas referências, criar uma organização, nem que seja uma organização dentro do caos. Estes artistas que figuram na mostra elegem referências diretas do universo das artes visuais, mas também negociam frequentemente com referências do cinema, da literatura ou da publicidade e também pegam emprestado e absorvem dentro de suas produções elementos destas outras mídias. 

Acredito que uma pessoa que se propõe a desenvolver um projeto de produção poética hoje é uma espécie de liquidificador de referências, o que muda de produção para produção é como os artistas escolhem articular e processar estas informações em seus pensamentos e produções. Mas em dado momento o artista se desocupa um pouco destas informações para formar o seu próprio trabalho. O pensamento me parece ser sempre não linear, profícuo e sempre curioso, apontando para direções diversas, mesmo que estas não se manifestem todas diretamente no trabalho que se mostra neste momento. Nesta exposição, por exemplo, a mídia me parece estar sempre a serviço do pensamento destes artistas, a mídia não se impõe ao pensamento, ela colabora fundamentalmente na sua articulação.

Referência – E o que desencadeia o pensamento que leva à produção artística, à sua, por exemplo?

Pedro – Estar presente e atento ao mundo. Acredito que a experiência de pensamento e produção artística é indissociável desse estado de atenção a tudo que está a sua volta. E pesquisar, colocar-se em situações que demandem que se desenvolva um olhar, uma leitura, uma escuta distinta das que se normalmente teria.

Referência – Nesta exposição organizada por você e que tem duas obras suas, os confrontos no campo das ideias acontecerão inevitavelmente durante a produção. Mais ainda, você tem acompanhado as produções dos outros artistas. Nesse cenário, a contaminação de pensamentos é uma certeza, uma possibilidade ou essa é uma possibilidade muito remota? Contaminar-se pelo outro é um desejo subjacente à vontade de estabelecer um diálogo com seus pares?

Pedro – Estabelecer um diálogo ou diálogos talvez seja o que galvanize a organização desta mostra. Estas contaminações já ocorriam mesmo que involuntariamente, de alguns dos artistas eu já era mais próximo, então nós acompanhávamos e trocávamos há algum tempo. Foi muito interessante também começar este processo com artistas de quem eu só conhecia a produção, mas não tinha tido oportunidade de estabelecer uma troca maior, e a partir da demanda da exposição isso se fez possível. Considero que estabelecer diálogos com meus pares é uma das ações mais importantes do meu ofício enquanto artista, as produções só existem dentro de um contexto, quando se pode trabalhar de forma consciente em torno disso é uma realização muito gratificante. Com relação a contaminação de pensamentos acho que isso certamente ocorrerá, de que forma, ou quando, ou como ela se manifestará eu não faço ideia, é algo de fato misterioso e talvez seja este fator incógnita que confira potência ao processo. Exposições são organismos vivos, mutantes, ressoam nos artistas de maneira muito particular e seguem para muito além do seu período de exibição.

Referência – Como os trabalhos desses artistas conversam com a proposta da exposição?

Pedro – Estes artistas elaboraram produções inquietas com raciocínios interdisciplinares, desenvolvem diálogos minuciosos com uma riqueza de pensamento traduzida em produções de imagens complexas e rigorosas e às vezes até mesmo nodosas, tratando de questões narrativas de formas muito idiossincráticas, ou até em alguns casos passando ao largo de propostas mais estritamente narrativas, porém estabelecendo situações, ambiências, cenas. De alguma maneira seja pela relação cromática que é estabelecida ou pelos vestígios narrativos ambivalentes deixados nas obras, acabam por estabelecer um campo de relação intenso com o interlocutor/espectador, seja pela sedução ou curiosidade de entrar naquele mundo apresentando no trabalho ou até mesmo uma atração pela repulsa. São trabalhos que demandam revisitas e que nesse processo ganham novas camadas de percepção. Imagens para serem vistas e lidas.

A exposição pretende abrir um espaço conversacional entre os artistas e seus trabalhos, algumas conversas já estabelecidas previamente à mostra e que tem nesta oportunidade seu primeiro embate físico em um espaço e outras conversas que aqui se estabelecem pela primeira vez.

Este caráter conversacional é também intrinsecamente estendido ao público que é colocado como um agente ativo e não apenas um contemplador remoto neste processo.

Referência – A interdisciplinaridade é uma questão muito forte nesta exposição. Não se trata apenas das linguagens serem diferentes ou mesmo os suportes. O que cada um deles aborda traz uma nova vitalidade para o conjunto dos trabalhos e para cada um deles individualmente. Dentro do seu projeto de curadoria, você anteviu essa questão?

 Pedro – Não antevi necessariamente, mas sabia que havia uma possibilidade de pensar essa questão a partir do que eventualmente surgisse de diálogo com os artistas. A perspectiva de articular as diferentes pesquisas de cada um dos artistas dentro de uma lógica coletiva e dialógica ainda preservando as individualidades das pesquisas; jogar luz sobre alguns pontos que constituem seus imaginários e referências mostrou-se um interesse crescente durante o processo de desenvolvimento da mostra. Como um imaginário vai se construindo? Do que ele é composto? Como ele se apresenta nos trabalhos? São questões ou provocações que encontram ressonância para muito além do recorte da exposição.

Referência – Se a fotografia ainda não alcançou o seu devido reconhecimento como uma linguagem própria da arte por parte de boa parte do público, o HQ nem mesmo está perto de ser enxergado como uma possibilidade. No entanto, você o coloca em uma exposição lado a lado com linguagens que têm mais prestígio e são mais valorizadas.  Em seu primeiro trabalho como artista / curador, você acredita que está assumindo um grande risco ao colocar um trabalho de quadrinhos entre os outros trabalhos? Por quê?

Pedro – Acho muito natural que uma mídia como quadrinho figure nesta exposição, uma vez que está mesma se propõe a pensar sobre questões que constituem as referências e imaginários dos artistas. Assim como a fotografia, a influência do quadrinho está muito presente na produção contemporânea em artes plásticas. Para além do trabalho em quadrinho que está na mostra, existem outros trabalhos em outras mídias que travam diálogos com HQ. Assim como a influência da fotografia me parece indissociável a produção que lida com imagem seja qual que mídia for. Outra referência que se impõe é o cinema, por exemplo:

Observe a produção fotográfica do Joaquim Paiva, ele começa a desenvolver suas primeiras séries fotográficas na década de 1970, pouco tempo depois do seu primeiro contato com as experimentações da nouvelle vague e do cinema novo, então é claro que isso de algum modo se infiltra no pensamento dele e se manifesta na formação das imagens que ele constrói. Ainda pensando em cinema, mas agora em outro exemplo, o cinema tem um impacto relevante nas produções de pintura da Gisele Camargo e da Vânia Mignone que começam suas produções na década de 1990, e é interessante observar uma questão de diferença geracional, o cinema que influencia o Joaquim Paiva já não é necessariamente o mesmo que influencia a Gisele Camargo e Vânia Mignone, que não o mesmo também que influencia o Léo Tavares que começa a produzir no final dos anos 2000 início dos anos 2010, onde o acesso a informação já é amplamente facilitado. 

Acho difícil pensar as mídias ou influências com uma ideia de maior ou menor prestígio, acho que estas questões todas se impõem dentro do processo artístico sem o peso daquilo que seria mais ou menos relevante.

Referência – Na conversa de sexta passada com Gisele Camargo, ela lançou uma pergunta nos últimos minutos muito interessante: “Enquanto você pensava e montava a exposição, você estava pintando?”. Daí vieram duas questões: Você se percebe como um fetichista, um voyeur da obra do outro artista para assim produzir a sua?   Enquanto você pensava e montava a exposição, você estava realmente pintando?

Pedro – Não, não me considero [um fetichista]. Acho que os processos de troca, seja pela fruição mais supostamente distante, ou através das conversas e acompanhamentos próximos como no caso do processo desta exposição, são indissociáveis ao pensamento e reflexão sobre a maneira de observar e praticar este ofício de artista. É algo ligado ao pensamento sobre produção, a minha, e dos meus colegas, e onde elas existem e de que modo criam pontes ou não dentro dos contextos da produção contemporânea. No fim é sempre sobre o pensamento.

Referência – Um dos trabalhos da Gisele Camargo dá nome à exposição. Dar título a um trabalho ou a uma mostra completa é sempre um problema, ou conduz de mais ou tira completamente o foco. E quando a exposição é coletiva, pode gerar ruídos. Como foi o processo dessa escolha?

Pedro – Eu tinha pensado e desenvolvido alguns títulos, mas nada me parecia dar conta dos interesses do projeto de maneira mais compreensiva, num segundo momento achei que o mais coerente com o processo e o caráter da própria mostra seria ter um título extraído de algum dos trabalhos que vinham sendo feitos. Eu já conhecia a série de colagens “A construção dos minimundos” que Gisele Camargo desenvolve há algum tempo, sempre achei este título lindo e cheio de camadas possíveis de entendimento. 

Cheguei a cogitar em nomear a exposição com título de outros trabalhos, mas um dia revisando o material que já havia sido concluído olhei o título da Gisele e aquilo me pareceu dar conta de ser a porta de entrada para a coletiva, logo liguei pra Gisele, e ela generosa como sempre emprestou o título. 

O que se tenta apresentar nesta exposição é uma pequena entrada ao universo individual de cada um destes nove artistas, mas também posso acionar a atenção para como a suas produções estabelecem situações dialógicas. E depois, estas produções estão conectadas com preocupações contemporâneas do pensamento e da produção em arte. É quase como um pequeno ciclo, o ateliê, as vizinhanças e os embates no espaço expositivo e o diálogo com o mundo.

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Claudio Tozzi

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