O piauiense Francisco Galeno foi criado em Brazlândia, onde mantém seu atelier, utilizado nos períodos de visita aos familiares. Vive e trabalha em sua cidade natal, sendo um dos artistas de Brasília que alcançou maior reconhecimento no País. Sua arte camaleônica é, para os olhos, uma verdadeira festa popular brasileira: “O camaleão foi um bicho que influenciou muito a minha pintura. Ele muda de cor para escapar do bicho predador”. Assim, também, seu trabalho se metamorfoseia, ganha uma nova pele, incorpora uma nova modulação de cores.
A arte entrou em sua vida pelo sangue, uma vez que teve a sorte de nascer em uma família de artesãos. Seu pai foi pescador e fabricava canoas, enquanto sua mãe era costureira e rendeira e o avô, vaqueiro, preparava selas e arreios de couro. Ainda muito jovem Galeno resolveu pintar e passou a frequentar exposições nas galerias da capital, a olhar revistas e a pesquisar em livros, arriscando as primeiras cores. No princípio seus assuntos eram a paisagem e a figura humana, mas logo entendeu que estava repetindo uma tradição milenar da arte: “Percebi que para encontrar um caminho próprio eu teria que olhar para dentro de mim e recuperar a minha infância às margens do Rio Parnaíba. Então, comecei a trabalhar com os carretéis que a minha mãe usava, com os anzóis do meu pai, com os carrinhos de lata de sardinha que a gente fazia”.
O trabalho de Galeno está em sintonia direta com a tradição da arte construtivista brasileira de Alfredo Volpi e Rubem Valentim, tradição essa que trabalha as formas geométricas, a síntese, a abstração, em detrimento das figuras. Mas não se trata de uma geometria cerebral e fria. Ele trabalha com a alegria de um “curumim arteiro”, propondo novos jogos para suas peças, brincando com as formas e com as cores: “Apesar de toda precariedade, eu tive a sorte de nascer às margens do Rio Parnaíba. Eu nem sei como aprendi a nadar. A gente entrava no rio e de repente percebia que sabia se virar na água. A família organizava muitas festas. A minha pintura tem essa alegria, esse desejo de felicidade do povo, da alma brasileira. Esse é o lado bom do Brasil”.
Em 1965 Galeno desembarcou em Brasília, para morar no acampamento da Civilsan, firma em que seu pai trabalhava. Era uma invasão. Em 1969 um caminhão despejou a família de Galeno no meio do poeirão de uma rua de Brazlândia. Apesar de ser um artista reconhecido nacionalmente, Galeno faz questão de continuar ainda hoje morando em Brazlândia e de ser considerado um artista da cidade. Ele conhece cada palmo de Brazlândia: “Não adianta morar em Brazlândia e falar sobre Paris. Eu cresci tomando banho de cachoeira, descobrindo lugares escondidos. Esse lado esquecido do Brasil é o que o país tem de melhor”.
Galeno não é apenas pintor. Ele atua em várias direções: escultura, roupas, instalações. Quando era moleque, seu sonho era ser jogador de futebol e recentemente desenhou uma camisa para o time do Brazlândia: “A camisa do Brazlândia não tinha identidade. Um jogo de futebol é como se fosse uma exposição para milhares de pessoas”. Em seguida trabalhou em um projeto para homenagear os loucos de estrada, que ele chama de “loucos de BR”. O trabalho é inspirado no artista Arthur Bispo do Rosário: “A ideia surgiu de minhas viagens de carro para o Piauí, onde eu sempre encontro esses loucos de BR. São artistas, sempre juntam algum objeto para se enfeitar. Quero também fazer uma roupa muito louca, com um chapéu colorido e usar latas de sardinhas e anzóis como adereços. Vou combinar com as crianças para que elas me acompanhem pelas ruas, soltando pipas no ar.”